A 2ª Seção do Superior Tribunal de Justiça começou a julgar, nesta quarta-feira (24/11), três recursos especiais em que vai fixar tese sobre a validade de cláusula contratual de plano de saúde coletivo que prevê reajuste por faixa etária.

Eles fazem parte de um total de sete processos cadastrados no Tema 1.016 dos recursos repetitivos e que estão em tramitação na corte desde 2019. O julgamento foi paralisado por pedido de vista conjunta dos ministros Ricardo Villas Bôas Cueva e Nancy Andrighi.

O assunto é complexo e tem profundo impacto em um setor de importância fundamental na economia e na sociedade. Por isso, contou com audiências públicas, feitas pelo STJ ainda em fevereiro de 2020.

O controle do reajuste das mensalidades dos planos é necessário para evitar que as operadoras de plano de saúde onerem excessivamente o grupo que, em tese, mais precisa dos serviços e, portanto, mais gasta: os idosos. Por isso, desde 1999, a variação do preço é fixada por faixas etárias pré-definidas pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) e que devem ser respeitadas pelas operadoras.

A norma mais recente é a Resolução Normativa 63/2003, que limita o último reajuste à idade de 59 anos e diz que ele não pode ser maior do que seis vezes o valor da primeira faixa (de 0 a 18 anos). Além disso, fixa que a variação das três últimas faixas (de 49 anos a 59 anos) não pode ser superior à variação acumulada entre a primeira e a sétima faixas.

Desde sempre, a eficácia dessas normas e sua aplicação pelas operadoras de planos de saúde são levadas ao Judiciário. Ministros do STJ identificam que o setor da saúde suplementar, hoje, vive uma hiperjudicialização.

Para entidades protetoras dos consumidores, as operadoras impõem aumentos abusivos aos idosos como forma de inviabilizar sua permanência nos contratos. Para as operadoras, os aumentos são necessários para preservar o equilíbrio financeiro do contrato.

Até agora, apenas o relator do repetitivo, ministro Paulo de Tarso Sanseverino, votou. Para ele, realmente faltam critérios objetivos para se controlar a abusividade dos reajustes, para se substituir índice que sejam considerados abusivos e para fixar de quem é ônus da provar essa abusividade.

Por isso, propôs tese dividida em três partes, baseadas em jurisprudência do STJ e de Tribunais de Justiça sobre o tema. Em alguns pontos, atendeu ao pedido dos consumidores. Em outros, das operadoras. O julgamento só continuará em 2022, pois a 2ª Seção fez, nesta quarta, sua última sessão do ano.

Em suma, definiu que as mensalidades dos planos de saúde coletivos podem ser reajustadas de acordo com a faixa etária do beneficiário, desde que o aumento obedeça a três regras: tenha previsão contratual, siga normas de órgãos governamentais reguladores e não seja feito aleatoriamente, com aplicação de “percentuais desarrazoados”.

Os critérios são os já definidos pela ANS na RN 63/2003, sendo que o termo “variação acumulada”, que vincula os limites percentuais para o aumento, se refere ao aumento real de preço verificado em cada intervalo, e não a soma aritmética de percentuais de reajuste ou o cálculo de média dos percentuais aplicados em todas as faixas etárias.

Por fim, definiu ainda que, nas hipóteses em que se alegar que o aumento foi definido por base atuarial inidônea ou por aplicação de índices aleatórios, caberá às operadoras de planos de saúde comprovar a existência dessa base atuarial.

Teses explicadas
Ao propor a tese, o ministro Paulo de Tarso Sanseverino replicou outros enunciados já julgados de forma qualificada pelo Judiciário brasileiro.

A possibilidade de reajuste de mensalidades por faixa etária, por exemplo, foi definida em 2016 pela 2ª Seção do STJ quando decidiu o Tema 952, que tinha aplicação restrita aos planos individuais e familiares. Como a argumentação foi abrangente, o relator entendeu que vale também para os planos coletivos.

A mesma tese já havia fixado aplicabilidade da RN 63/2003 como critério para limitar os reajustes em contratos novos (após 1/1/2004). Havia dúvida, no entanto, sobre como seria feito o cálculo da “variação acumulada” — o termo que vincula os limites para o aumento, de acordo com os percentuais observados em cada faixa etária.

Nesse ponto, replicou a tese fixada pelo Tribunal de Justiça de São Paulo no Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas 11 (IRDR 11).

Ou seja: a interpretação correta do artigo 3º, II, da Resolução 63/03, da ANS, é aquela que observa o sentido matemático da expressão “variação acumulada”, referente ao aumento real de preço verificado em cada intervalo, devendo-se aplicar, para sua apuração, a respectiva fórmula matemática, estando incorreta a soma aritmética de percentuais de reajuste ou o cálculo de média dos percentuais aplicados em todas as faixas etárias.

Base atuarial
O ministro Paulo de Tarso Sanseverino ainda ressaltou o embate entre as partes quanto ao que o Judiciário poderá considerar como forma idônea de comprovação de que o aumento da mensalidade foi feito a partir de base atuarial idônea.

Para as operadoras, a Nota Técnica de Registro de Produto (NTRP) é suficiente, uma vez que é exigida pela ANS como pré-requisito para a comercialização dos planos de saúde. O índice é, inclusive, analisado e aprovado pela agência reguladora. Assim, ela gozaria de presunção de legalidade e veracidade, sendo incontrastável pelo Judiciário.

Essa posição, segundo o relator, limitaria a aplicação da tese, pois impediria o Judiciário de verificar os aumentos feitos em percentuais desarrazoados ou aleatórios.

Os consumidores alertaram que isso ainda daria às operadoras a liberdade de manipular os índices de reajuste para driblar a proteção conferida pela RN 63/2003 aos idosos. A ANS, apesar de se comprometer a monitorar práticas abusivas, falhou nesse propósito, conforme reconheceu o Tribunal de Contas da União em 2017.

“À luz do tema, a revisão judicial de índices de reajuste é possível excepcionalmente, não obstante a presunção de legitimidade da NTRP”, concluiu o ministro.

O ônus de fornecer a base atuarial, por sua vez, ficou nas mãos das operadoras de plano de saúde, que já têm acesso ao NTRP. O relator entendeu que elas possuem melhor capacidade técnica de produzirem a prova, inclusive diante do baixo número de profissionais atuariais no mercado — em 2019, eram apenas 2,3 mil no Brasil, 80% em atuação na região sudeste.