Ao estabelecer de antemão que, havendo indicação do médico assistente, nunca prevalece a negativa de cobertura, a súmula de tribunal estadual é temerária e incompatível com o contraditório, a ampla defesa e com a natural imparcialidade que se espera da magistratura.
Com essas considerações, a 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça definiu que operadora de plano de saúde não é obrigada a pagar por tratamento fisioterápico experimental receitado. O colegiado confirmou o provimento ao recurso especial da empresa, dado monocraticamente pelo ministro Luís Felipe Salomão.
O autor da ação é uma criança de quatro anos diagnosticada com paralisia cerebral severa, cujo tratamento receitado é chamado TheraSuit, um método fisioterápico experimental, — segundo o Conselho Federal de Medicina —, que não consta do rol da ANS e que não é oferecido por nenhum profissional habilitado pelo plano em questão.
O Tribunal de Justiça de São Paulo mandou a operadora arcar com o tratamento. Para isso, aplicou ao caso a Súmula 102 da corte, segundo a qual, havendo expressa indicação médica, é abusiva a negativa de cobertura de custeio de tratamento sob o argumento da sua natureza experimental ou por não estar previsto no rol de procedimentos da ANS.
Esse entendimento é contrário à jurisprudência da 4ª Turma, para a qual plano de saúde não é obrigado a pagar procedimento fora do rol da ANS. É, inclusive, um ponto de divergência com a 3ª Turma, que também julga matéria de Direito Privado no STJ.
“Acolhendo a tese da recorrente, as instâncias ordinárias, renovada as vênias, simplesmente desconsideram o rol da ANS, suprimindo/usurpando as atribuições legais da Autarquia e violando a tripartição de poderes”, afirmou o ministro Luís Felipe Salomão, que classificou o enunciado como “insólito”.
“Dessarte, ao estabelecer, de antemão com base em Súmula local, que, havendo indicação do médico assistente, nunca prevalece a negativa de cobertura, data venia, na verdade, o entendimento, além de em muitos casos ser temerário, é, em linha de princípio, incompatível com o contraditório, a ampla defesa e com a natural imparcialidade que se espera e legitima a magistratura”, afirmou o relator.
O acórdão destaca que não cabe ao Judiciário substituir a ANS em sua atribuição legal e que a estrutura administrativa do Poder Judiciário há muito já está devidamente aparelhada com núcleos de apoio técnico em saúde, para prestar subsídio aos magistrados nessas demandas — como é o caso do banco de dados E-natjus, do Conselho Nacional de Justiça.
Divergência com a 3ª Turma
A 3ª Turma, por outro lado, tem ratificado decisões com posicionamento oposto. A jurisprudência é de que, embora o procedimento indicado não conste no rol da ANS, não significa que não possa ser exigido pelo usuário, não servindo de fundamento para a negativa de cobertura de procedimento cujo tratamento da doença está previsto contratualmente.
Foi o que ocorreu ao negar provimento a recurso especial que buscava afastar a condenação imposta pelo TJ-SP a uma operadora de saúde, também em caso de tratamento fisioterápico de paciente com paralisia cerebral e, da mesma forma, com base na Súmula 102.
No caso, o tratamento buscado pelo paciente menor de idade é chamado Pediasuit: terapia intensiva que consiste “no uso de vestimenta com elásticos para provocar tensão localizada ou suspensão da criança, usando um protocolo de terapia intensiva de duração de 3-4 semanas em sessões diárias de 3 horas 5 dias na semana”.
“Em que pese ao advento de um precedente da Quarta Turma em sentido contrário”, destacou o relator, ministro Marco Aurélio Bellizze, “esse precedente não vem sendo acompanhado pela Terceira Turma, que ratifica o seu entendimento quanto ao caráter exemplificativo do referido rol de procedimentos”.