Ultimamente se observa que alguns julgamentos da Justiça brasileira têm sido realizados de modo mais favorável para o consumidor quando o assunto é plano de saúde. Só que esta postura do Judiciário presume uma prestação de saúde ilimitada para os cidadãos, quando tal atividade é de responsabilidade do governo, como previsto na Constituição Federal. É que o plano de saúde advém de contrato particular em que as partes concordam com seus termos, já que há uma rede de hospitais que podem atender os tratamentos médicos, bem como medicamentos e materiais previstos.
O atual cenário econômico do país faz com que o debate sobre as decisões judiciais acerca das discussões que tratam dos planos de saúde se desenvolva, de modo que se envolvam não só os juízes, mas os advogados dos consumidores e das operadoras de saúde. É preciso, e se faz necessário, esclarecer para a população que as negativas de cobertura são realizadas com o respaldo da lei que rege os planos, Lei 9.656/1998, e do regulamento da Agência Nacional de Saúde Suplementar, a ANS.
É válido esclarecer que o prejuízo daquele que oferece o serviço é o prejuízo de quem o utiliza. A empresa que opera o plano, ao ser obrigada a cobrir procedimentos médicos e medicamentos de alto custo, que não estão previstos no contrato, fará com que o consumidor, alguns meses ou anos depois, arque com essas despesas, que certamente trarão reajustes em suas mensalidades para auxiliarem a manter a quantidade e qualidade dos serviços realizados.
Segundo dados da ANS, há aproximadamente 47 milhões de beneficiários, atendidos por 740 operadoras. As receitas, em 2018, giraram em torno de R$ 195 milhões, enquanto as despesas ficaram em R$ 161 milhões. De acordo com o Conselho Nacional de Justiça, os planos de saúde possuem o mais alto índice de processos no Judiciário. Nos últimos dez anos, aumentou em 130% a quantidade de ações judiciais na área. É uma taxa de crescimento duas vezes maior que processos da rede pública.
O Poder Judiciário atua neste cenário complexo e bastante regulamentado. É óbvio que os juízes conhecem a matéria e se debruçam constantemente sobre o assunto. Mas não se vê na explicação das decisões o motivo pelo qual a lei dos planos de saúde não deve ser aplicada ou mesmo o regulamento da ANS, prevalecendo o Código de Defesa do Consumidor como um “super código”, havendo ainda respaldo nos princípios constitucionais que se costuma ouvir no meio social que são o direito à vida, à saúde e à dignidade humana. Para o Judiciário, o consumidor está em constante desvantagem, os planos de saúde são abusivos, as normas da ANS servem como orientações e os serviços devem ser garantidos de modo ilimitado.
“O Ministério da Saúde adverte”: os custos com as ações na Justiça estão subindo, como se pode observar, com base nas análises do Instituto de Estudos de Saúde Suplementar: em 2014, o gasto médio mensal por usuário era de R$ 173,86. Em 2018, subiu para R$ 281,81. Isso significa um aumento de 62,1%, motivado por tecnologias, desperdícios, fraudes, envelhecimento da população e ações judiciais.
A partir do momento em que o Judiciário afasta a lei dos planos e supervaloriza a questão da abusividade dos contratos das operadoras, sem maiores explicações sobre temas específicos, a economia responde ao fato e os cidadãos são os maiores prejudicados por isso.
Por exemplo, a lei dos planos permite que a inseminação artificial seja excluída do contrato e a ANS afirma, em seu regulamento, que não só a inseminação, mas todo e qualquer método de reprodução assistido, deve ter o mesmo destino. Mesmo assim, as pessoas tendem a “colocar o plano de saúde na Justiça”, porque “é um absurdo que se negue a pagar pelo tratamento médico” e, muito embora o Superior Tribunal de Justiça tenha apoiado em todos os seus termos o que consta na lei, alguns tribunais concedem o direito da imposição da cobertura do tratamento da fertilização in vitro solicitado na Justiça.
Por fim, acontece algo que infelizmente se combate a todo o tempo: a padronização dos argumentos na Justiça. A repetição das teses. Os juízes recebem afirmações repetidas pelos consumidores, por causa de decisões que já são repetidas e baseadas em todo o tempo pelo CDC e pela Constituição e, por conta disto, as defesas das operadoras seguem a mesma linha, com a vã esperança de suscitar novos debates e, desta maneira, chamar a atenção do Judiciário e de toda a sociedade para o quadro que se desenha.