A Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu nesta quarta-feira que as operadoras não podem desligar uma pessoa de um plano de saúde coletivo quando ela tem uma doença grave para tratar. A decisão deverá ser seguida pelos tribunais e juízes de todo o Brasil.
A legislação veda a rescisão do contrato no caso de planos individuais e familiares, mas não menciona os coletivos, o que vinha levando a algumas pessoas a recorrerem à Justiça para garantir o tratamento.
O relator, o ministro Luis Felipe Salomão, propôs uma tese que foi aprovada por unanimidade: “A operadora, mesmo após o exercício regular do direito à rescisão unilateral do plano coletivo, deverá assegurar a continuidade dos cuidados assistenciais prescritos a usuário internado ou em pleno tratamento médico garantidor de sua sobrevivência ou de sua incolumidade física até a efetiva alta, desde que o titular arque integralmente com a contraprestação devida”.
O ministro Marco Buzzi questionou se isso significava que o usuário deveria pagar por todo o tratamento. Salomão explicou que não, mas que ele deverá estar em dia com a mensalidade do plano para poder se beneficiar da decisão.
Luis Felipe Salomão também afirmou:
— Conquanto seja incontroverso que a aplicação do parágrafo único do artigo 13 [da lei sobre planos de saúde] restringe-se aos seguros e planos individuais e familiares, sobressai o entendimento de que a impossibilidade de rescisão contratual durante a internação do usuário ou a sua submissão a tratamento médico garantidor de sua sobrevivência ou manutenção de sua incolumidade física também alcança os pactos coletivos.
Foram julgados dois recursos apresentados pela Bradesco Saúde contra decisões que beneficiaram dois usuários. A partir desses casos, o STJ ficou a tese que deverá ser observada no país todo.
Nas ações, a operadora disse não haver ilegalidade no cancelamento de seguros coletivos, e que a proibição de rescindir contrato durante tratamento médico ocorre apenas nos planos individuais ou familiares. No julgamento nesta quarta-feira, o advogado Rodrigo Tannuri, que representa a empresa, disse que cada caso envolvendo o tema tem suas peculiaridades, que impedem dar tratamento uniforme à questão.
— Os dois casos afetados para julgamento são muito distintos. Num há um tratamento de câncer de mama, que em tese é temporário. No outro há uma cardiopatia congênita que é em tese uma doença crônica. Será que ambas possuem o mesmíssimo direito? Será que ambas possuem o mesmíssimo direito? O que é tratamento médico em cada um dos casos? Que tipo de tratamento? Urgente., ou ambulatorial, só hospital? Quando termina esse tratamento? Quem decide quando esse tratamento termina? — questionou o advogado da Bradesco Saúde.
Procurada após a decisão do STJ, a Bradesco Saúde disse não comentar “assuntos levados à apreciação do Poder Judiciário.”
O defensor público Sander Gomes Pereira Júnior, que atua no caso, defendeu o direito dos usuários dos planos durante a sessão:
— Aqui não se está a pleitear de forma alguma que as operadoras prestem serviço gratuito a ninguém, a nenhum beneficiário. O que se pretende é simplesmente a manutenção das condições de um contrato que já vigia, e vigia até o momento em que ele foi descontinuado unilateralmente pela prestadora de serviço.
Um dos casos diz respeito a uma mulher no estado de São Paulo com câncer de mama que entrou com ação contra a operadora em razão do cancelamento unilateral do plano. O outro diz respeito a um menor de idade no Rio Grande do Sul que sofre de uma doença que pode lhe causar a morte. Em ambos os casos, houve decisões nas instâncias inferiores para garantir o custeio do tratamento.
Em entrevista ao GLOBO, o defensor público Sander Gomes Pereira Junior disse que o STJ já vinha em geral dando decisões favoráveis aos usuários de planos de saúde em casos semelhantes. Também explicou que uma decisão do STJ eventualmente pode ser revista pelo Supremo Tribunal Federal (STF), mas, enquanto estiver vigente, deverá ser seguida por juízes e tribunais de todo o país.
Para o advogado Rafael Robba, especialista em direto à Saúde, sócio do Vilhena e Silva Advogados, a decisão do STJ é uma vitória para os consumidores. Ele reforça que a partir do momento que a operadora se disponibiliza a comercializar um plano de saúde, ela assume o risco do contrato e não pode eliminar o consumidor porque não quer mais arcar com esse risco.
– A decisão do STJ chancela o posicionamento que os tribunais sempre adotaram ao proibir o cancelamento do contrato e o abandono do consumidor especialmente quando o beneficiário está passando por um tratamento médico, momento de grande desgaste emocional e físico. É um recado claro de compromisso com a saúde do consumidor. Essa conduta excludente, desumana e cruel era uma forma de a operadora se livrar do paciente e vai contra o princípio da dignidade – destaca.
Procuradas a FenaSaúde, que representa as maiores operadoras do país, e a Associação Brasileira de Planos de Saúde (Abramge) não quiseram comentar a decisão. Ambas as entidades disseram não ter conhecimento suficiente do caso para opinar.