Clientes de planos de saúde ganham 6 a cada 10 ações que movem contra as operadoras na Justiça paulista. Quanto consideradas decisões parcialmente favoráveis aos clientes, a taxa aumenta de 60% para quase 70%, segundo estudo da Escola de Direito da FGV São Paulo, que contou com apoio financeiro da FenaSaúde (Federação Nacional de Saúde Suplementar).

Os números resultam da análise de uma amostra de 3.593 decisões no âmbito do TJ-SP (Tribunal de Justiça de São Paulo) que representam 130.980 decisões de primeira instância e 74.724 decisões de segunda instância proferidas entre 2018 e 2021.

A negativa de cobertura assistencial está relacionada a pouco mais da metade do total de decisões nas duas instâncias, segundo o relatório da FGV Direito.

Nesse tipo de disputa, juízes tendem a condenar as empresas em 80% dos casos. Se incluída a condenação parcial -quando apenas parte do pedido do usuário é atendida-, a taxa de sucesso nas ações movidas por usuários sobe para 86%.

“Isso está muito ligado à forma como as decisões são fundamentadas. Em matéria de negativa de cobertura, os termos do contrato e as normas da ANS [Agência Nacional de Saúde Suplementar] têm pouco peso na decisão”, diz Daniel Wang, professor de direito da FGV e um dos autores do estudo.

“As decisões são quase sempre fundamentadas exclusivamente na prescrição médica e na leitura de que o rol da ANS é exemplificativo, ou seja, que não há limites para a cobertura assistencial das operadoras”, completa Wang.

O rol mencionado pelo autor do estudo é a lista de cerca de 3.000 procedimentos que constituem a cobertura obrigatória dos planos de saúde contratados após 2 de janeiro de 1999 ou adaptados à lei 9.656/98.

Recusas a pedidos de medicamentos, que ao lado das negativas de cirurgia estão entre as principais causas de litígio, resultam em 90% das decisões favoráveis aos pacientes.

Tratamentos de tumores malignos requisitados judicialmente são concedidos em mais de 90% dos casos pelo Judiciário paulista. Esse tipo de paciente também está entre aqueles que mais requerem o direito à cobertura pela via judicial.

Pacientes com transtornos mentais e comportamentais, com destaque para aqueles dentro do espectro autista, têm uma probabilidade de 67% de decisão favorável.

Situação menos favorável ao usuário ocorre nas disputas provocadas por reajustes de mensalidades, que representam perto de 15% dos litígios. Nesses casos, 41% dos beneficiários conseguem decisões favoráveis na primeira instância. As condenações contra operadoras sobem para 53% em segunda instância.

Tendência um pouco mais vantajosa para empresas ocorre quanto a ação requer a manutenção de condições contratuais consideradas benéficas aos clientes. A taxas de sucesso na primeira na primeira instância é de 59%. Quando o caso avança para a segunda instância, porém, as empresas são derrotadas em 48% dos casos. São taxas significativamente inferiores às vitórias de clientes que pedem cobertura.

“Quando a questão é exclusivamente financeira, como a discussão sobre o tamanho do reajuste, parece que o Judiciário tende a observar mais os aspectos contratuais e regulatórios e demonstra maior preocupação com a garantia do equilíbrio no contrato e a sustentabilidade da relação”, diz Wang.

“Por outro lado, em matéria de negativa de cobertura, o fator humano deve pesar muito na decisão e a preocupação quanto aos possíveis desequilíbrios que a judiciarização pode gerar acabam ficando em segundo plano”, afirma.

Para Wang, falta compreensão do Judiciário quanto aos riscos de desequilíbrio financeiro das operadoras. Ele também diz que a ANS precisa fortalecer a sua legitimidade perante à sociedade por meio da “transparência e do rigor técnico-científico na fundamentação de suas decisões”.

Sobre as operadoras, o professor da FGV avalia que existem questões em que elas poderiam melhorar para reduzir a litigiosidade.

O TJ-SP informou, em nota, que não pode comentar questões relacionadas ao julgamento de mérito dos processos.

Quanto à ANS, a agência reguladora diz que ela própria é “o principal canal de recebimento de demandas de usuários de planos de saúde no país” e que “atua fortemente na intermediação de conflitos entre beneficiários e operadoras, através da NIP (Notificação de Intermediação Preliminar), ferramenta criada para agilizar a solução de problemas relatados pelos consumidores, que conta com mais de 90% de resolutividade”.

Procurada, a FenaSaúde, que representa as operadoras de saúde, não comentou até a publicação deste texto.