Senado aprovou nesta segunda-feira, 29, o projeto de lei que acaba com o chamado rol taxativo da Agência Nacional da Saúde (ANS). Na prática, o texto obriga planos de saúde a cobrirem tratamentos e procedimentos fora da lista sugerida pela agência reguladora. Já aprovada pela Câmara, a matéria agora vai para sanção do presidente Jair Bolsonaro.

A medida não foi bem recebida pelos planos de saúde, que alegam que as consequências incluem diminuição da oferta de planos e sobrecarga para o Sistema Único de Saúde (SUS). Entidades de defesa do consumidor, porém, defendem o fim do rol taxativo, por entenderem que ele prejudica os beneficiários ao limitar o acesso a procedimentos.

O relator no Senado, Romário (PL-RJ), apresentou o parecer final nesta segunda-feira, a favor da aprovação do projeto sem mudanças em relação ao que foi aprovado pela Câmara em agosto. “O rol taxativo era a pior decisão possível que poderia ter dado o STJ”, disse o senador.

O entendimento do Congresso vai contra o do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que, em julho, decidiu que a lista da ANS é taxativa, o que significa que os planos de saúde só precisavam cobrir os 3.368 procedimentos previstos expressamente no rol. Os parlamentares decidiram que a cobertura é exemplificativa, não taxativa.

Segundo o relator, “a necessidade de prévia manifestação da ANS pode restringir consideravelmente o conjunto de terapias que possuem evidências científicas sobre sua eficácia a serem disponibilizadas aos beneficiários, uma vez que a agência ainda não tem estrutura para acompanhar adequadamente o desenvolvimento tecnológico das tecnologias em saúde”.

Para Romário, “é impossível haver pronunciamento da ANS sobre todas as terapias cuja eficácia é atestada pela literatura das ciências da saúde, de modo que não seria adequado depender sempre de sua manifestação para
que sejam utilizadas”.

Se Bolsonaro sancionar o texto, as operadoras de planos de saúde terão que custear tratamentos que não estão no rol da ANS, desde que haja: comprovação de eficácia; autorização da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa); recomendação da Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde (Conitec); ou recomendação de pelo menos um órgão de avaliação de tecnologias em saúde que tenha renome internacional e que tenha aprovado o tratamento para seus cidadãos.

Após a votação, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), disse, no Twitter, que “o projeto garante a segurança jurídica para o setor, ao diminuir as controvérsias jurídicas sobre se o rol da ANS deve ser taxativo ou se a ampliação da cobertura pode ser exigida”.

Insegurança jurídica

Romário aponta, no parecer, que o rol taxativo fez com que muitas pessoas precisassem recorrer à Justiça para conseguir tratamentos que não estavam previstos na lista. Dado do Grupo de Estudos sobre Planos de Saúde da Universidade de São Paulo (GEPS-USP), incluído no texto, mostra que o número de decisões judiciais relacionadas a planos de saúde cresceu 391% entre 2011 e 2021 no Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJSP).

O estado de São Paulo reúne, segundo o relator, cerca de 36% dos beneficiários de planos de saúde do país. Boletim divulgado pelo grupo em junho de 2022, com base na análise de 11,6 mil acórdãos publicados entre 2018 e 2019 no TJSP contra planos de saúde, mostra que o motivo de 48,2% dessas demandas judiciais foi a negativa de coberturas assistenciais.

Em 59,1% dos casos de negativa de cobertura, as empresas alegaram que o procedimento não estava previsto em contrato. Em 41,9% das ações, o argumento mais usado foi a não inclusão do procedimento no rol da ANS. “Os pesquisadores verificaram que, quando se trata de negativas de cobertura, o percentual de ações com decisões favoráveis ao consumidor é de 92,8%”, diz o parecer.

“Essas estatísticas mostram que os magistrados têm detectado que várias negativas de cobertura impostas pelas operadoras aos beneficiários são indevidas, principalmente quando se alega que a terapia demandada não está incluída no REPS [rol taxativo], pois em apenas 2,4% desses casos os consumidores não obtiveram êxito em seus pleitos”, diz Romário, no texto.

O senador considera que a aprovação do projeto aumenta a segurança jurídica sobre o tema, evitando processos judiciais que raramente são vencidos pelas operadoras, “o que lhes resulta em mais gastos”. Para os pacientes, a derrubada do rol taxativo é benéfica porque, segundo ele, as pessoas teriam “menos motivos para recorrer à Justiça para garantir os seus direitos”.

Além disso, “a eventual negativa de cobertura frequentemente leva os pacientes a buscarem assistência no SUS, o que pode impactar o já escasso orçamento da saúde pública e a atenção prestada principalmente às pessoas mais desfavorecidas economicamente”, considera Romário. “Não seria justo transferir consequências do descumprimento da Lei dos Planos de Saúde para o SUS.”

Aumento de custos

A Federação Nacional de Saúde Suplementar (FenaSaúde) manifestou “preoupação” com o posicionamento do Congresso, em nota publicada após a aprovação do projeto, nesta segunda-feira. “A entidade considera que a mudança na legislação representa um retrocesso, sendo os beneficiários de planos de saúde os principais prejudicados”, diz o documento.

Segundo a FenaSaúde, a decisão gera insegurança para a saúde dos beneficiários e “significativo impacto financeiro”, já que a cobertura ilimitada “não só compromete a previsibilidade de despesas — condição fundamental para a definição dos preços dos planos de saúde –, como também eleva os custos em saúde, portanto, o valor das mensalidades”.

“A consequência esperada desse movimento é a diminuição da oferta de planos de saúde, saída em massa de beneficiários do sistema suplementar e maior sobrecarga para o SUS”, diz a entidade. A FenaSaúde afirma ainda que, em 2021, foram rejeitados apenas sete pedidos de inclusão na lista da ANS.

O ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, também é a favor da manutenção do rol taxativo. Em audiência pública no Senado, em 23 de agosto, ele argumentou que os planos de saúde vão acabar repassando os custos para os pacientes, caso sejam obrigados a cobrir tratamentos não listados pela ANS.

“Na hora de se optar por ter mais procedimentos, mais medicamentos no rol, seguramente vêm atrelados custos que serão repassados para os beneficiários, e parte deles não terá condições de arcar com esses custos. Essa é a realidade”, afirmou Queiroga.

A advogada Giselle Tapai, especialista em direito do consumidor com foco em saúde e sócia do Tapai Advogados, lembra, entretanto, que a Justiça já tinha o entendimento de que o rol era exemplificativo, antes da decisão do STJ. Ou seja, na maioria dos casos, quando havia justificativa, os pacientes conseguiam os procedimentos.

“Não quer dizer que acabaram os conflitos, mas que agora a regra está clara. Em vez de ser exceção custear o tratamento, como entendia o STJ, agora é a regra geral. O plano não pode simplesmente negar dizendo que não está no rol. Se isso acontecer, o beneficiário agora tem mais segurança jurídica para contestar”, explica Giselle.