Diante do aumento de fraudes contra convênios médicos, as operadoras de planos de saúde iniciaram nos últimos meses uma ofensiva contra os fraudadores em um esforço que inclui exigência de biometria facial para uso de aplicativo, ferramentas de inteligência artificial para identificar clínicas problemáticas, tentativa de parceria com o Google para remoção de anúncios fraudulentos e até denúncias ao Ministério Público.

Levantamento inédito da Federação Nacional de Saúde Suplementar (FenaSaúde) obtido pelo Estadão mostra que o número de notícias-crime e ações cíveis movidas pelas operadoras para a denúncia de fraudes subiu 884% entre 2018 a 2022, passando de 75 para 738 procedimentos no período.

A investida se dá principalmente sobre situações que envolvem pedidos de reembolso, condição em que a maior parte das fraudes ocorre. “Hoje você tem na saúde suplementar todo tipo de fraude. Em analogia, há desde o batedor de carteira a organizações criminosas. O batedor de carteira seria aquele que pede para fracionar o recibo de uma consulta em dois para ter reembolso maior. E as organizações criminosas são empresas de fachada criadas com o único intuito de fraudar planos de saúde”, diz Vera Valente, diretora-executiva da FenaSaúde.

A entidade já apresentou três notícias-crime ao Ministério Público de São Paulo que levaram à abertura de nove inquéritos policiais. As representações denunciavam contratações fraudulentas de planos de saúde para obtenção de vantagem indevida através de reembolso.

Pelo esquema, empresas de fachada contratavam planos premium de diferentes operadoras para seus supostos funcionários. Elas simulavam atendimentos e solicitavam reembolsos por meio de CNPJs de clínicas que fariam parte do esquema. A estimativa é que essas fraudes tenham envolvido o pagamento indevido de R$ 51 milhões.

De acordo com as empresas, práticas abusivas e fraudulentas em reembolsos se intensificaram a partir de 2021, quando o valor gasto pelas operadoras com esse tipo de pagamento passou a registrar aumento muito superior ao das despesas assistenciais. Levantamento da Associação Brasileira de Planos de Saúde (Abramge) com base em dados da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) mostra que enquanto as despesas assistenciais aumentaram 0,2% entre 2021 e 2022, o valor gasto com reembolsos subiu 25,6%.

Digitalização facilita irregularidades 

 “Fraudes sempre existiram. A diferença é que, quando era tudo analógico, era mais difícil. Com a acelerada digitalização que tivemos na pandemia, as fraudes aumentaram, principalmente pela prática do reembolso assistido”, explica Cassio Ide Alves, superintendente médico da Abramge.

Ele se refere a clínicas e consultórios que solicitam login e senha dos beneficiários para auxiliar no pedido de reembolso para o convênio sob o argumento de oferecer maior comodidade ao cliente. Na prática, porém, algumas dessas clínicas podem se aproveitar do acesso ilimitado ao perfil do cliente para inserir procedimentos não realizados, lançar valores exorbitantes e até trocar a conta bancária informada para reembolso para que o prestador receba diretamente da operadora.

De acordo com a Abramge, em alguns casos investigados, as clínicas chegaram a abrir nova conta bancária no nome do beneficiário sem que ele soubesse para que o reembolso fosse, em tese, direcionado para o cliente e não levantasse suspeitas das operadoras. A conta, no entanto, era administrada pelo fraudador.

De olho nas práticas fraudulentas em reembolsos, a SulAmérica quadruplicou o tamanho da sua equipe de combate a fraudes, desenvolveu ferramentas de inteligência artificial para identificar possíveis fraudadores e vai implantar, no fim deste mês, biometria facial para acesso ao aplicativo. “Estamos com uma área multidisciplinar trabalhando nesse tema, com profissionais de auditoria, jurídico, segurança da informação, inteligência artificial, especialista em sinistro, em sindicâncias. Temos até ex-delegado na equipe”, conta Raquel Reis, presidente de Saúde e Odonto da SulAmérica.