Representantes dos trabalhadores da enfermagem se disseram revoltados com o voto complementar conjunto do ministro-relator, Luís Roberto Barroso, e do decano Gilmar Mendes sobre o piso nacional da enfermagem, previsto pela Lei 14.434/2022, na madrugada desta sexta-feira (16/6) no Supremo Tribunal Federal (STF). O julgamento foi paralisado logo depois com o pedido de vista de Dias Toffoli.

Para Valdirlei Castagna, presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde (CNTS), o voto conjunto dos ministros foi “péssimo” e fez com que os representantes do setor cogitassem a possibilidade de ir às ruas como sinal de protesto.

“A categoria está muito revoltada, revoltadíssima. Teremos uma reunião do Fórum Nacional da Enfermagem e entidades para definir os próximos passos. Chamaremos uma mobilização e não descartamos uma greve do setor. Estamos avaliando a possibilidade de a categoria cruzar os braços e ir às ruas. Não vamos admitir isso e o momento é de mobilização e enfrentamento”, disse.

A presidente do Sindicato dos Enfermeiros do Estado de São Paulo, Elaine Leoni, também criticou o voto e o “uso da Justiça para postergar a definição”. “Eu nunca vi tantas manobras para não cumprir uma lei que foi respaldada por várias outras, inclusive com o governo especificando de onde viriam os recursos e destinando diretamente aos municípios”, disse, em nota. “Não nos resta outro caminho, a não ser continuar na luta para ter esse direito garantido”, completou.

O voto conjunto de Barroso e Mendes prevê uma regra importante para o pagamento do piso da enfermagem no setor privado. De acordo com os ministros, a implementação do piso nacional da enfermagem deverá “ser precedida de negociação coletiva entre as partes, como exigência procedimental imprescindível, levando em conta a preocupação com demissões em massa ou prejuízos para os serviços de saúde”.

“A ideia é admitir acordos, contratos e convenções coletivas que versem sobre o piso salarial previsto na Lei nº 14.434/2022, a fim de possibilitar a adequação do piso salarial à realidade dos diferentes hospitais e entidades de saúde pelo país. Atenua-se, assim, o risco de externalidades negativas, especialmente demissões em massa e prejuízo aos serviços de saúde”, escrevem os ministros.

Se não houver acordo em 60 dias contados da data da publicação da ata do julgamento do STF, incidirá o aumento previsto na lei do piso da enfermagem.

Para Castagna, contudo, a medida deverá aumentar a pressão do setor privado sobre os trabalhadores. “Isso já acontece. O setor empresarial, articulado, vem para as mesas de negociação querendo retirar direitos dos trabalhadores, compensando o impacto do piso e tentando retirar outros direitos conquistados de quem trabalha”, diz.

Piso da enfermagem para o setor público

O voto de Barroso e Mendes prevê, ainda, medidas diferentes para o setor público. Para servidores dos estados, Distrito Federal, municípios e de suas autarquias e fundações, bem como aos profissionais contratados por entidades privadas que atendam, no mínimo, 60% de seus pacientes pelo SUS, a implementação da diferença remuneratória resultante do piso nacional da enfermagem deve ocorrer na extensão do quanto disponibilizado, a título de “assistência financeira complementar”, pelo orçamento da União.

De acordo com o representante da categoria, as entidades poderão utilizar essa análise para apenas repassar o dinheiro da União para a folha salarial, sem se responsabilizar pela gestão do orçamento.

“Entendemos que os recursos aprovados são complementares para pagamento, não para o pagamento em si. Da forma como os ministros interpretaram, os grupos vão simplesmente repassar, sem tirar um centavo no bolso. E isso não é, no nosso ver, o que diz a Constituição. Se faltar dinheiro, falta pagar os trabalhadores, jogando responsabilidade somente para o governo federal”, afirmou.

O voto prevê ainda o pagamento do piso da enfermagem, na forma da lei, para os servidores públicos civis da União, autarquias e fundações públicas federais.

Pressão por aplicação do voto de Edson Fachin

O início da mobilização é uma forma de pressão sobre os ministros que ainda irão votar no STF. Não há data marcada para a retomada do julgamento, mas o ministro Dias Toffoli tem 90 dias para devolver a vista.

Para o presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde (CNTS), o ideal seria que os demais ministros seguissem o voto do ministro Edson Fachin que, em maio, opinou para que o piso da enfermagem seja aplicado imediatamente para a categoria de enfermeiros, técnicos de enfermagem, auxiliares de enfermagem e parteiras, sejam implementados, , na forma prevista na Lei 14.434/2022, e nos termos da Emenda Constitucional 127/2022 e da Lei 14.581/2023.

À época, o ministro afirmou que “medidas flexibilizadoras implicariam desfazimento do sistema constitucional de garantia de direitos sociais trabalhistas, e de esvaziamento da orientação à atuação negocial coletiva”.

“Esperamos que os demais ministros revejam a posição. O voto do ministro Fachin vai ao encontro do que esperamos e do que entendemos como o que é previsto na Constituição. Por isso, esperamos que os demais ministros sigam o voto de Fachin”, disse Castagna, da CNTS.

Histórico do piso da enfermagem

Em 12 de maio, Dia Internacional da Enfermagem, o Ministério da Saúde publicou uma portaria definindo o rateio de recursos para financiar o piso nacional da enfermagem nos estados e municípios. A publicação da norma em edição extra do Diário Oficial da União (DOU) ocorreu horas depois de o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) sancionar o PLN 5/2023, que liberava R$ 7,3 bilhões para custear o piso da categoria.

Mas a Confederação Nacional de Municípios (CNM) argumenta que embora haja previsão de repasse de recursos aos municípios, os valores projetados se mostram insuficientes, uma vez que estudos realizados e juntados ao processo pela entidade demonstram que apenas na esfera municipal o impacto financeiro seria de R$ 10,5 bilhões.

Os valores do piso

O piso nacional da enfermagem foi estabelecido em R$ 4.750 para os profissionais de enfermagem; R$ 3.325 para os técnicos de enfermagem e R$ 2.375 para auxiliares e parteiras. O piso se aplica tanto para trabalhadores dos setores público e privado.