O Superior Tribunal de Justiça deve concluir nos próximos meses o julgamento que determinará se o rol de procedimentos e eventos em saúde da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) é taxativo (com a determinação dos procedimentos, sem margem a interpretações) ou exemplificativo. Apesar de não ser uma decisão vinculante, ela servirá como principal referência para todas as ações judiciais relacionadas à cobertura dos planos de saúde.
A terminologia técnica pode dificultar a compreensão da essencialidade do rol da ANS. Esse rol ou, em português mais claro, essa lista traz as coberturas obrigatórias para os planos de saúde. Nada mais é que o objeto dos próprios planos. E com base nela as empresas, por meio dos seus atuários, estimam as despesas médicas de um determinado conjunto de pessoas (os beneficiários). Após somarem despesas administrativas, comerciais e tributárias, além de uma margem de lucro que historicamente fica abaixo dos 5%, fixam o preço dos planos de saúde.
Imagine uma companhia aérea que precisa estipular o preço da passagem de um determinado voo. Mas há um detalhe importante: ela não sabe o destino desse voo. Há apenas uma lista exemplificativa de destinos. O voo pode ir para Campinas, Brasília ou Manaus. Mas também pode ir para qualquer outro local que não esteja na lista, como Tóquio. Quem vai decidir o destino é o piloto, no momento da decolagem. Fica evidente a dificuldade extrema dessa tarefa. Há alguns cenários possíveis. A empresa pode precificar a passagem como se o destino fosse Campinas, mas faltarão recursos para cobrir os custos se o piloto resolver ir a Tóquio. Ela pode, alternativamente, proteger-se e precificar como se o trajeto fosse para Tóquio, mas aí o preço da passagem ficaria inacessível para muitas pessoas. Ou, mais provavelmente, a empresa pode deixar de operar nesse mercado em que imperam a imprevisibilidade e insegurança. E antes que condenem um suposto exagero nesse paralelo, vale salientar que são cada vez mais comuns os tratamentos que custam milhões de reais por paciente. Tem muito voo indo para Tóquio.
O próprio conceito de lista exemplificativa é absolutamente ilógico. Qual é a função de uma lista de mais de 3 mil itens se, ao final, todo e qualquer procedimento prescrito pelo médico deve ser coberto? Sem lista de coberturas obrigatórias, não há que se falar em plano de saúde. Por sinal, em nenhum país do mundo há cobertura ilimitada de todos os tratamentos ou procedimentos. Mesmo países que são referências relevantes em saúde, como Canadá e Reino Unido, desenvolvem e atualizam periodicamente suas listas de coberturas obrigatórias.
É fundamental que a lista de coberturas obrigatórias siga duas premissas básicas: seja estipulada com o devido rigor técnico, observando o processo de Avaliação de Tecnologia em Saúde (ATS), recomendado ostensivamente pela OMS e reconhecido pela comunidade internacional, e atualizada periodicamente. Nesse sentido, há que reconhecer que a lista ou rol da ANS, independentemente de divergências pontuais, cumpre esses requisitos integralmente.
O processo de incorporação de novos procedimentos ou tratamentos, genericamente chamados de tecnologias em saúde, segue o processo de ATS, em que são analisadas a sua segurança, eficácia e, principalmente, custo-efetividade. Quanto à atualização da lista, a aprovação da MP 1.067/2021, sancionada como Lei 14.307/2022, acelerou o processo de submissão, análise e incorporação de novas tecnologias, tornando-o contínuo e não mais em ciclos bienais, como ocorria anteriormente.
A Lei 14.307 também alterou a Lei 9.656/1998 e estabeleceu o limite de até 180 dias para que a ANS realize a ATS de cada tecnologia, prorrogável por mais 90 dias quando as circunstâncias exigirem. No caso de antineoplásicos orais, esse prazo é ainda mais curto, sendo de 120 dias prorrogáveis por mais 60.
Somente no ano passado, foram introduzidas 69 novas tecnologias em saúde, sendo 50 medicamentos, dos quais 19 antineoplásicos orais e 17 imunobiológicos, além do teste antígeno para Covid-19. E tudo isso com previsibilidade e segurança jurídica, equilibrando ampliação de acesso com sustentabilidade de longo prazo.
Espera-se agora uma definição do tema no Superior Tribunal de Justiça. É o momento de afastar as narrativas rasas dos memes, tuítes, hashtags e afins, para buscar fundamentos técnicos sólidos que respaldarão uma decisão com repercussões extensas na saúde suplementar do país. Com todo o respeito às opiniões em contrário, tenho absoluta convicção de que a análise aprofundada do assunto pelos ministros os guiará a uma decisão técnica que reconhecerá a imprescindibilidade do caráter taxativo do rol da ANS como pilar do sistema de saúde suplementar.