Na retomada do julgamento do piso da enfermagem no Supremo Tribunal Federal (STF), o ministro-relator, Luís Roberto Barroso, juntou um voto complementar conjunto com o decano Gilmar Mendes — um movimento inédito na Corte — em que são elencadas diversas diretrizes para a implementação da remuneração básica prevista pela Lei 14.434/2022. Além disso, os ministros fecham a porta para futuros pisos nacionais de outras categorias. Minutos depois, o julgamento foi interrompido pelo pedido de vista de Dias Toffoli.
O voto conjunto de Barroso e Mendes prevê uma regra importante para o pagamento do piso da enfermagem no setor privado. De acordo com os ministros, a implementação do piso nacional da enfermagem deverá “ser precedida de negociação coletiva entre as partes, como exigência procedimental imprescindível, levando em conta a preocupação com demissões em massa ou prejuízos para os serviços de saúde”.
“A ideia é admitir acordos, contratos e convenções coletivas que versem sobre o piso salarial previsto na Lei nº 14.434/2022, a fim de possibilitar a adequação do piso salarial à realidade dos diferentes hospitais e entidades de saúde pelo país. Atenua-se, assim, o risco de externalidades negativas, especialmente demissões em massa e prejuízo aos serviços de saúde”, escrevem os ministros.
Se não houver acordo em 60 dias contados da data da publicação da ata do julgamento do STF, incidirá o aumento previsto na lei do piso da enfermagem.
Aplicação do piso da enfermagem para servidores estaduais e municipais
Já para os servidores públicos dos estados, Distrito Federal, municípios e de suas autarquias e fundações, bem como aos profissionais contratados por entidades privadas que atendam, no mínimo, 60% de seus pacientes pelo SUS, a implementação da diferença remuneratória resultante do piso nacional da enfermagem deve ocorrer na extensão do quanto disponibilizado, a título de “assistência financeira complementar”, pelo orçamento da União.
Diante de um quadro de insuficiência de assistência financeira, a União terá o dever de providenciar crédito suplementar. Não sendo tomada tal providência, não será exigível o pagamento por parte de Estados e Municípios e suas instrumentalidades, preveem os dois ministros.
Barroso e Mendes também escrevem que, uma vez disponibilizados os recursos financeiros suficientes, o pagamento do piso da enfermagem deverá ser proporcional nos casos de carga horária inferior a 8 horas de trabalho por dia ou 44 horas semanais.
Aplicação do piso da enfermagem para servidores da União
Já em relação aos servidores públicos civis da União, autarquias e fundações públicas federais, a implementação do piso salarial nacional deve ocorrer na forma prevista na Lei 14.434/2022.
Barroso e Mendes também externaram o entendimento de que há uma inconstitucionalização progressiva da fixação de pisos salariais nacionais. Em casos anteriores, envolvendo professores e agentes de saúde, tendo em vista, inclusive, o aporte de recursos pela União Federal, o Tribunal atuou de maneira deferente ao poder de conformação legislativa do Congresso Nacional. “Porém, é importante deixar consignado que a generalização de pisos salariais nacionais coloca em risco grave o princípio federativo, que assegura a autonomia política, administrativa e financeira dos entes subnacionais (CF, arts. 1º, caput , 18, 25, 30 e 60 § 4º), e a livre-iniciativa, princípio fundamental e estruturante da ordem econômica (CF, arts. 1º, IV e 170, caput ). Por isso mesmo, outras iniciativas nessa direção passarão a ser vistas como potencialmente incompatíveis com a Constituição”, escrevem os dois.
Quanto ao piso da enfermagem, os ministros consideram que “inexiste indicação de uma fonte segura capaz de custear os encargos financeiros impostos aos estados, ao Distrito Federal e aos municípios para além do corrente ano de 2023”. “Para o presente exercício financeiro, como mencionado, foi aberto crédito especial; para o próximo exercício e os seguintes, a legislação recentemente aprovada prevê o custeio com eventuais resultados positivos de fundos da União. Tal indefinição, contudo, não apenas é incompatível com a Constituição orçamentária, mas também parece chocar com o caráter perene de uma despesa corrente de caráter continuado”, afirmam.
O voto divergente de Edson Fachin
O ministro Edson Fachin já havia votado para que o piso da enfermagem seja aplicado imediatamente. Ele argumenta que como a discussão envolve negociação sobre piso salarial, cuja previsão constitucional está expressa e, sem reserva legal, “tem-se a impossibilidade de que a negociação coletiva sobreponha-se à vontade do legislador constituinte e ordinário, no particular”.
“A liberdade do empregador, seja ele um ente público ou uma empresa privada, quanto à restrição de direitos fundamentais dos cidadãos trabalhadores, está vinculada e comprometida com a noção de que a concretização dos direitos fundamentais requer a manutenção da rede de proteção social deferida ao cidadão-trabalhador, haja vista que, ausente valor constitucional que fundamente a restrição a um direito fundamental, as medidas restritivas, como é o caso da flexibilização do valor nacional do piso salarial, implicariam desfazimento do sistema constitucional de garantia de direitos sociais trabalhistas, que, em razão de sua condução à elevação da pessoa humana e de sua vida em sociedade, deve servir de orientação à atuação do Estado”, escreveu Fachin.
O ministro pontua que “medidas flexibilizadoras implicariam desfazimento do sistema constitucional de garantia de direitos sociais trabalhistas, e de esvaziamento da orientação à atuação negocial coletiva”.
O ministro Dias Tofoli tem 90 dias para devolver a vista do processo.
Histórico do piso da enfermagem
Em 12 de maio, Dia Internacional da Enfermagem, o Ministério da Saúde publicou uma portaria definindo o rateio de recursos para financiar o piso nacional da enfermagem nos estados e municípios. A publicação da norma em edição extra do Diário Oficial da União (DOU) ocorreu horas depois de o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) sancionar o PLN 5/2023, que liberava R$ 7,3 bilhões para custear o piso da categoria.
Mas a Confederação Nacional de Municípios (CNM) argumenta que embora haja previsão de repasse de recursos aos municípios, os valores projetados se mostram insuficientes, uma vez que estudos realizados e juntados ao processo pela entidade demonstram que apenas na esfera municipal o impacto financeiro seria de R$ 10,5 bilhões.
Os valores do piso
O piso nacional da enfermagem foi estabelecido em R$ 4.750 para os profissionais de enfermagem; R$ 3.325 para os técnicos de enfermagem e R$ 2.375 para auxiliares e parteiras. O piso se aplica tanto para trabalhadores dos setores público e privado.