Neste mês, a 10ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Minas Gerais – TJMG confirmou uma tutela de urgência que obriga uma operadora de planos de saúde a custear o armazenamento de óvulos de uma paciente. A decisão considerou a possibilidade de infertilidade da paciente, que está em tratamento de quimioterapia.

Na 2ª Vara Cível da Comarca de Uberaba, o plano de saúde foi condenado a fornecer a vitrificação de óvulos solicitada em clínica particular escolhida pela autora, sob pena de multa no valor de R$ 10 mil. A decisão está sujeita a recurso.

Apesar de a Agência Nacional de Saúde Suplementar – ANS excluir procedimentos relacionados à inseminação artificial, a Lei 9.656/1998 determina a cobertura obrigatória de procedimentos relativos ao planejamento familiar.

Segundo o juiz que atuou no caso, o entendimento do Superior Tribunal de Justiça – STJ é que a norma geral de planejamento familiar não revoga a exclusão da criopreservação. Contudo, o objetivo do procedimento, no caso concreto, era a atenuação de efeitos colaterais do tratamento, entre os quais está a falência ovariana.

Em abril, foi concedida a tutela de urgência determinando que o plano de saúde arcasse com o procedimento. A operadora ajuizou agravo de instrumento alegando que o congelamento de óvulos não se confunde com o tratamento oncológico, sendo que o tratamento de preservação de fertilidade é expressamente excluído pelo contrato firmado entre as partes.

A relatoria do TJMG manteve o entendimento de 1ª instância. Em seu voto, a relatora destacou que a finalidade do congelamento dos óvulos era diminuir os efeitos colaterais da quimioterapia, que pode levar à infertilidade. Sendo assim, ela entendeu que deveria ser concedida a tutela de urgência a fim de compelir a operação de plano de saúde a custear o procedimento.

Previsão contratual

Presidente do Instituto Brasileiro de Direito de Família seção Minas Gerais – IBDFAM-MG, o advogado José Roberto Moreira Filho lembra que a Lei 14.454/2022 retirou da ANS o rol taxativo dos exames e procedimentos médicos.

“Em virtude da publicação desta lei, o rol de procedimentos atualizados pela ANS serve  apenas como referência básica para os planos de saúde contratados a partir de 1999. As operadoras poderão ser obrigadas a fornecer cobertura de exames ou tratamentos que não estão incluídos no rol de procedimentos e eventos em saúde complementar”, explica o advogado.

Segundo o especialista, a decisão é contrária ao entendimento proferido pelo STJ no RESP 1.823.077-SP. Na ocasião, o colegiado decidiu que a reprodução humana artificial não possui cobertura obrigatória, salvo se houver previsão contratual expressa. A sentença do Tribunal mineiro, segundo ele, também contraria dispositivos da Lei 9.656/2008, que retira a inseminação artificial dos planos privados de saúde.

“No TJMG, a relatora entendeu que o congelamento tinha finalidade de minorar os efeitos colaterais da quimioterapia, ou seja, era consequência. O plano de saúde alega que esse congelamento não faz parte do procedimento médico que foi autorizado pelo plano de saúde”, comenta José Roberto.

Ele acrescenta: “Temos que verificar se o congelamento de embriões, óvulos ou semên é complementar, obrigatório e necessário para o êxito da quimioterapia”.

Procriação futura

O diretor nacional do IBDFAM pontua que a quimioterapia pode levar à infertilidade – considerada uma doença pela Organização Mundial da Saúde –  OMS.  Segundo ele, “o que está em discussão é se o procedimento de congelamento é consequência ou complementação da quimioterapia, ou se não faz parte disso”.

José Roberto cita o princípio do livre planejamento familiar no Direito das Famílias. “Como a infertilidade é uma doença, essa decisão poderá ajudar essas pessoas a planejar a sua família de modo a ser permitido o congelamento dos seus gametas para uma eventual gestação ou procriação futura.”

Para o advogado, a decisão “permite um exercício maior do planejamento familiar, ao permitir que casais possam se planejar para uma eventual e futura infertilidade”.

Planejamento familiar

O presidente do IBDFAM-MG também lembra que o congelamento de embriões, óvulos e sêmen gera despesas mensais para a operadora de saúde. “Esse custo pode até mesmo alterar o valor da mensalidade. Afinal, quanto mais o plano de saúde gasta, mais valor se agrega à mensalidade.”

O advogado pontua que o aumento da mensalidade em razão do custo do procedimento pode afetar todos os usuários do plano de saúde. “Os usuários serão obrigados a custear mensalmente o congelamento, que pode durar anos”, conclui.