O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) admitiu um Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas (IRDR) para discutir a validade de reajuste de plano de saúde coletivo aos 59 anos, mesmo depois de o Superior Tribunal de Justiça (STJ) ter analisado a questão. Embora o recurso repetitivo tratasse de plano individual, o entendimento vem sendo aplicado para qualquer tipo de contrato.
Os desembargadores decidiram analisar a questão devido ao elevado volume de processos e pelo fato de haver “expressivo número de decisões divergentes”. Entre 2014 e julho de 2017, de acordo com o acórdão, entraram na segunda instância 98,6 mil demandas sobre planos de saúde – “muitos destes processos”, julgados e pendentes de julgamento, versam sobre a questão a ser analisada por meio do IRDR. Na decisão, o relator, desembargador Grava Brazil, cita pelo menos sete entendimentos adotados pelas câmaras de direito privado do TJ-SP.
A diversidade se deve ao fato de o julgamento do STJ ter fixado requisitos para os reajustes – considerados muito subjetivos por advogados. De acordo com ele, “como resultado de tamanha divergência” sobre o tema, existem diversas pessoas que são beneficiárias do mesmo plano de saúde coletivo, na mesma faixa etária, e que pagam valores completamente díspares por força de “decisões judiciais discrepantes, evidenciando o risco à isonomia e à segurança jurídica”. No fim de 2016, os ministros do STJ autorizaram aumento para essa faixa etária, “desde que haja previsão contratual, sejam observadas as normas expedidas pelos órgãos governamentais reguladores e não sejam aplicados percentuais desarrazoados ou aleatórios que, concretamente e sem base atuarial idônea, onerem excessivamente o consumidor ou discriminem o idoso”.
As decisões no TJ-SP vão desde as que consideram o reajuste ilegal, ainda que previsto no contrato, por “burlar” o Estatuto do Idoso e/ou por ser excessivamente oneroso para o consumidor, até as que o consideram válido – parte mantém o índice, outras afastam o percentual contratualmente previsto, por entendê-lo abusivo, dada sua expressividade, ainda que esteja de acordo com a Resolução n° 63/2003, da Agência Nacional de Saúde (ANS). A Lei nº 9.656, de 1998, que regulamenta o setor de planos de saúde, autoriza reajustes por mudança de faixa etária. Os percentuais de variação, porém, devem estar expressos no contrato, e o valor fixado para a última faixa etária – 59 anos ou mais, a partir do Estatuto do Idoso (Lei nº 10.741, de 2003 – não pode ser superior a seis vezes o valor da primeira faixa (0 a 18 anos), de acordo com a resolução da ANS.
Muitas operadoras de planos de saúde, porém, têm aproveitado a chegada da última faixa etária – hoje com 6,6 milhões de pessoas (14% do total) – para aplicar pesados reajustes, previstos nos contratos. O que tem gerado um elevado número de processos e “decisões muito divergentes”, segundo o advogado Rodrigo Araújo, do escritório Araújo, Conforti e Jonhsson – Advogados Associados. “Não há mínima segurança jurídica”, diz. Para o advogado, o STJ não conseguiu pacificar a controvérsia. “Ao contrário, as decisões proferidas por juízes e desembargadores de todo o país passaram a ficar ainda mais divergentes e isso se deve ao fato de o STJ ter fixado critérios poucos objetivos para aferição da regularidade ou não do reajuste.” De acordo com ele, apesar de a iniciativa ser boa, não haveria como o TJ-SP proferir tese para o reajuste dos contratos coletivos que contrarie a do STJ, como defende o desembargador Carlos Alberto Garbi no voto vencido. “O ideal seria a revisão da tese firmada pelo STJ”, diz Araújo.
O advogado Ricardo Ramires Filho, do escritório Dagoberto Advogados, que atende a Associação Brasileira de Planos de Saúde (Abramge) entende, porém, que a decisão do STJ foi acertada e deve balizar o repetitivo do TJ-SP. “A regra tem que ser a mesma. Pode ser aplicado o reajuste, desde que dentro dos parâmetros da legalidade. Ou seja, sem abusividade na hora de repassar o reajuste para a faixa dos 59 anos ou mais”, afirma.
No entendimento do advogado Perisson Andrade, do escritório Perisson Andrade Advogados, o TJ-SP não precisaria analisar a questão por meio de repetitivo. Segundo ele, já foram estabelecidos critérios pelos ministros do STJ, que devem ser aplicados caso a caso. “Hoje, o problema é a falta de transparência nos reajustes que são aplicados – de faixa etária ou anual. Não há nenhuma transparência que permita ao consumidor avaliar [o reajuste] e negociar. Você fica na mão da operadora.”