Enquanto o setor de saúde espera a decisão de Bolsonaro sobre o projeto de lei do rol da ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar), Paulo Rebello, presidente do órgão, diz esperar que ele vete um trecho específico das condições de cobertura fora do rol, o que libera tratamentos que tenham comprovação de eficácia baseada em evidências científicas.
O texto ficou aberto demais, segundo Rebello, e será preciso avançar com regulação.
Ele vê “lógica política” na postura do ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, que deixou de apoiar o veto.
Outro assunto que preocupa, segundo Rebello, é o piso da enfermagem, que pode impulsionar os preços para o usuário e comprometer o equilíbrio do sistema.
PERGUNTA – Sua expectativa no caso do rol taxativo é que o presidente Bolsonaro sancionará ou não?
PAULO REBELLO – Eu quero crer que ele venha a vetar o inciso primeiro do parágrafo 13º do projeto de lei 2033, que fala da questão da medicina baseada em evidência. Ficou um texto muito aberto. O que tem na literatura você estabelece, ou seja, tem níveis de evidência.
P – O debate desse tema e do piso da enfermagem ficou prejudicado pelo período eleitoral?
PR – Estamos em um momento saindo da pandemia, mas ainda com número excessivo de mortes por Covid, e o período eleitoral se avizinha. Acabou gerando mobilização de algumas pessoas e pressionaram o Legislativo para que se fizessem essas alterações.
A gente vem discutindo em uma lógica de um texto muito aberto. A medicina baseada em evidência tem níveis de evidência. Você pode ter uma opinião de um especialista, um estudo de caso, ou aqueles casos mais abrangentes, de revisão sistemática.
Precisa regulamentar, caso não venha a ser vetado.
A Conitec [Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS], a que a gente se assemelha, tem critérios. Como o texto ficou aberto, a gente vem querer também apresentar uma proposta, seja via decreto, e eu não conversei com ninguém ainda, mas me veio à cabeça, ou via a própria regulação da ANS.
P – E teria apoio do ministro da Saúde?
PR – A ANS tem pedido esse veto, mas o sr. já não disse que também gostaria que o ministro fizesse isso? Ele fez isso, quando ele esteve na audiência pública no Senado, em que se manifestou favorável à posição da agência, e em outro momento em que o secretário-executivo dele esteve em uma reunião com o senador [Eduardo Girão] Girão, em que também se manifestou favorável à posição da ANS.
Obviamente, eu esperava que a postura dele continuasse sendo essa. Então, quando ele diz que não vai se manifestar, tem uma lógica política aí, que eu acho que ele fez uma ponderação, colocou na balança entre defender o que é tecnicamente aceitável ou politicamente aceitável.
Mas temos que defender a nossa posição e é isso que fizemos, na nossa nota técnica para que se fizesse o veto do projeto total ou o veto do inciso primeiro.
P – Existe alguma preocupação da ANS de esvaziamento do papel da agência no caso da liberação do rol?
PR – De fato, há uma competência da agência de fazer esse estudo da avaliação de tecnologia em saúde, da incorporação. Esse projeto especificamente não traz isso. Ele não nos causa medo.
O texto é na verdade um copia e cola do texto que já está aplicado, que já há hoje na lei. E a única alteração é que ele possibilita que os beneficiários procurem as operadoras para incorporar aquela determinada tecnologia. Se não fizerem, eles vão judicializar.
Na verdade, eles achavam que, em razão daquela decisão do STJ, eles perderiam o direito de poder judicializar [em junho, o Superior Tribunal de Justiça, desobrigou os planos de cobrir procedimentos fora da lista]. Isso não aconteceria.
Mas do nosso trabalho, nada muda. Vamos continuar fazendo avaliação de tecnologia em saúde e incorporando, como já incorporamos neste ano 30 novas tecnologias, e as operadoras vão seguir.
P – Como o sr. tem visto o debate sobre o piso da enfermagem? As empresas do setor foram à ANS avisar que vai provocar alta de preço nos planos de saúde. Qual é o tamanho da preocupação?
PR – A fórmula de reajuste do individual capta essa variação das despesas assistenciais, ou seja, toda incorporação e todo novo custo embutido no setor vai ser repassado ao beneficiário. Então, causa realmente o aumento.
Quando eu falo que sou a favor, que a decisão foi acertada, é em razão de que se tem algumas premissas. É estabelecer qual seria esse fundo para compensar esses custos.
O impacto disso dentro do setor de saúde suplementar é um. Mas no Sistema Único tem um impacto gigantesco, nas Santas Casas também. Existem 825 municípios que só têm um único hospital. A partir do momento em que se repassa esse custo para o município e para os estados, eles não vão ter condição de arcar com essas despesas. Como consequência, vai fechar.
Vira um problema de saúde pública. Eu recebi uma ligação de Pernambuco de uma empresa de home care que demitiu 800 pessoas. Há uma preocupação, que é a lógica da sustentabilidade, de financiar o setor, seja público ou privado.
Essa é a minha preocupação, analisando tecnicamente. Sem contar o repasse que pode ter para os consumidores.
É um pleito legítimo. Não questiono, mas tem uma preocupação com o equilíbrio do setor. Essa é a minha manifestação de apoio à decisão do STF, que foi ponderada.
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RAIO-X
Estudou direito no Unipê (Centro Universitário de João Pessoa). Foi chefe do gabinete do ministro no Ministério da Saúde de 2016 a 2018. Na ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar), foi eleito para exercer o cargo de diretor-presidente até 2024. Antes, foi diretor de Normas e Habilitação das Operadoras na agência.